ENTERRO DE CAMILÓ
Camiló nascera em Oitão dos Brocados,
filho de gente sertanejada ali chegada há mais de duzentos anos. Se fizera
trançados de couros por heranças de conhecimentos e destrezas, jogador de truco
referenciado e por último acolhedor de dores e almas pelos tombos de peões de
burros xucros, mulher da vida apanhada de cafetão e outras desditas. Por ordens
das desfeitas fora assassinado por conta das suas habilidades e carinhos incompreendidos.
Seguiram-se as exéquias como se deram e das quais damos nossas vistas.
O cortejo fechou a rua principal,
seguiu o instinto da flor de maracujá, que ele carregou quando atirado, caminhava
lento tudo no embalo do caixão, para não acordar a poeira e assumiu o caminho
fronteiro da Capela de Santa Eulábia, aderida ao Cemitério da Saudade. A
igrejinha deu providências de atender o corpo de Camiló sem cobranças de
passados e nem promessas de futuros. Saíram todos, gente por gente triste
enfileirando, muito entretida nas ordens das melancolias respeitosas, para enterrarem
o corpo, abonarem a alma e guardarem a saudade. Lágrimas passivas ouvindo a
passarada entretida em seus atrevimentos. Na porta da venda do Mutalé Maneta,
como ali pendia de visada direta ao cemitério, e trilha do trançador era rotina
sabida, Camiló se agitou na rede deixando a flor cair na porta como mereciam as
insinuações, para serem apaziguados os passos com a derradeira cachaça.
Minhoco deu muita razão ao cadáver
em respeito às mesuras da flor pendida que mereciam ajustados sentimentos ao passarem
gentes tantas em reverências funerárias por ali e cabia mais do que merecido
aquele trago de despedida na venda que assistira o trucador por inesquecíveis.
Conversas trançadas, tramoias ditas, afetos foram colhidos nas lágrimas do
Mutalé antes dos definitivos. O povo assumiu resguardo, instigou Camiló saudar
as dependências do Mutalé Maneta em memória ao passado e em abono a partida.
Hora chegou correta com o cortejo ao portão do cemitério, povo machucado de
tristeza adentrando ruelas de corredores estreitos, sinuosos, confusos entre os
túmulos velhos saudando vizinho novo. Uma vala, sem muitas querências de
vaidades, aberta esperando a encomenda, para finar em seguida nos atijolados de
adobes pobres por merecimentos se ajustara e cruz postada na cabeceira.
Cadinho, filho do falecido,
plantou a cruz de cedro na virada para o por do sol e na sôfrega da despedida
da vida, intuito de Camiló poder acompanhar o passeio do astro durante o dia
todo, como sempre fizera nas beiradas das ruelas, cantochando mesmices enquanto
tramava couros, adivinhava sortes e enaltecia com os mesmos dedos as tristezas
alegres de sempre nas assistências aos sofridos, às moças das vidas, aos peões
das fraturas, às crianças dos sonhos. Era a imensidão de Camiló e seus
conflitos.
O cedro poderia brotar em árvore
de respeito e porte, como é das temperanças dos cedros e contar muitos anos
depois as proezas dos dedos do Camiló Prouco, o homem mais habilidoso de Oitão
e outros sertões por onde as suas venturas se desacomodavam nas invejas e nas
carências das tramas, prosas, prendas e solidões das felicidades sofridas.
Cada um se deu por jogar um
restolho de mão cheia de desesperança para a terra dizer adeus e o amém
recolher o fim.
Ceflorence 19/10/17
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